Delegado e mulher de traficante: as tramas criadas por golpistas em aplicativos
A Polícia Civil de São Paulo alerta sobre a crescente sofisticação dos golpes em aplicativos de relacionamento, com um foco maior em usuários do sexo masculino. Segundo a Divisão de Crimes Cibernéticos, os criminosos estão aprimorando suas táticas para enganar as vítimas, utilizando narrativas cada vez mais elaboradas.
De acordo com o delegado Carlos Afonso Gonçalves da Silva, responsável pela investigação desses crimes, a “indústria dos golpes” está em constante adaptação, encontrando brechas nas medidas de segurança. “A criatividade dos golpistas está cada vez mais direcionada às características específicas das vítimas, e aplicativos de relacionamento e redes sociais têm se tornado um terreno fértil para essas práticas fraudulentas”, afirmou.
Golpes mais frequentes
Entre os golpes mais comuns, está o “golpe do delegado”. Neste esquema, os golpistas se passam por autoridades policiais e ameaçam as vítimas, alegando que elas teriam trocado fotos íntimas com menores de idade. Um caso recente envolveu Thiago Soares, de 34 anos, que foi contatado por um suposto delegado pelo WhatsApp. O farsante tentou extorquir dinheiro sob a alegação de que a vítima teria envolvimento em um crime e precisaria pagar as despesas de internação de um jovem com problemas psicológicos. Thiago percebeu o golpe e se recusou a realizar o pagamento.
Outro golpe recorrente é o “golpe da mulher de traficante”, no qual os criminosos ameaçam as vítimas alegando que elas interagiram com a esposa de um membro de facção criminosa. O objetivo é extorquir dinheiro sob a ameaça de retaliações físicas. Usuários relatam que os golpistas chegam a fornecer informações pessoais para intimidar as vítimas.
Há também o “golpe do custeio”, em que os fraudadores pedem dinheiro para despesas de transporte ou gasolina, e o “golpe do sugar daddy”, onde prometem uma “mesada” em troca de interações online, mas acabam extorquindo as vítimas.
Crescimento de sequestros
Além desses golpes, a Polícia Civil registrou um aumento em sequestros que tiveram origem em encontros marcados via aplicativos. Em São Paulo, até agosto de 2023, quatro sequestros foram reportados, sendo dois pelo Tinder e dois por aplicativos de relacionamento voltados ao público LGBTQIA+. As vítimas foram mantidas em cativeiro enquanto os criminosos realizavam transferências bancárias.
Em 2023, foram contabilizados 49 casos de sequestro, número inferior ao de 2022, quando ocorreram 115 registros. Mesmo com a diminuição, a polícia e as plataformas reforçaram a necessidade de medidas de segurança.
Redução de casos e novas medidas
Apesar do alto número de fraudes, a Polícia Civil observou uma redução nas ocorrências em relação aos últimos dois anos. A queda é atribuída à maior conscientização pública e à implementação de medidas de combate por parte de plataformas e instituições financeiras.
Aplicativos de relacionamento também têm introduzido novas funcionalidades para garantir maior segurança aos usuários. O Tinder, por exemplo, passou a exigir verificação de perfis por foto e criou canais de denúncias para evitar a atuação de golpistas. “Implementamos uma série de recursos de segurança no aplicativo para identificar e remover usuários mal-intencionados”, afirmou a empresa.
Debate sobre legislação
Entretanto, para o delegado Carlos Afonso, a legislação brasileira ainda apresenta entraves na luta contra esses crimes. Ele defende que, como em outros países, a polícia deveria ter acesso a dados em tempo real, como geolocalização e registros de conexão, sem a necessidade de autorização judicial prévia.
Especialistas, no entanto, ponderam que a privacidade deve ser resguardada. Vinicius Vasconcellos, professor de Direito Processual Penal da USP, defende que o acesso a dados sensíveis só deve ocorrer mediante ordem judicial, a fim de evitar abusos. “A regra precisa ser a necessidade de autorização prévia, para que medidas invasivas sejam aplicadas somente em casos justificados”, ressaltou.
Enquanto o debate sobre o equilíbrio entre privacidade e segurança segue em pauta, a recomendação das autoridades é que os usuários mantenham cautela ao interagir em plataformas online e evitem fornecer dados pessoais ou realizar transferências financeiras sem a devida verificação.
Fonte: Guia Muriaé, com informações do UOL