Abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte está ameaçado
A crise hídrica que atinge a Região Sudeste do Brasil nos últimos dois anos é mais forte em São Paulo, mas também não poupou Minas Gerais – Estado que abriga nascentes de grandes rios. O assunto será analisado no Seminário Legislativo Águas de Minas III – Os Desafios da Crise Hídrica e a Construção da Sustentabilidade, cuja etapa final será realizada de 29 de setembro a 2 de outubro na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O semiárido mineiro, que abrange as regiões Norte e Nordeste, sempre conviveu com a seca, mas, desde 2013, a falta d´água também passou a preocupar a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), onde se concentra cerca de 30% da população do Estado.
Além da redução da chuva nesse período, a disponibilidade de água nas bacias hidrográficas da RMBH está comprometida em função do aumento da demanda e da poluição dos mananciais. O gerente de Pesquisa e Desenvolvimento de Recursos Hídricos do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Thiago Figueiredo Santana, considera que a situação mais grave é da bacia do Rio das Velhas, responsável por 60% do abastecimento da região. Embora apenas 10% da extensão do rio esteja na RMBH, é nessa região que estão 70% dos mais de 4 milhões de habitantes dos 51 municípios por onde passa.
O especialista explica que o rio – maior afluente em extensão do São Francisco – sofre grandes pressões ao longo de seu curso. Na cabeceira, em Ouro Preto, a maior demanda vem do setor de mineração daquele município e dos vizinhos Itabirito e Nova Lima. Os maiores consumidores são, também, os principais responsáveis pela poluição do curso d´água, pela emissão de efluentes industriais que dificultam a depuração natural da água. É também nesse trecho que se concentra a maior parte da população da RMBH, contribuindo para o lançamento de resíduos domésticos que, igualmente, comprometem a qualidade e a quantidade da água.
Na porção chamada de Alto Rio das Velhas, que inclui, além da cabeceira, parte do município de Caeté até a Serra da Piedade, a maior pressão sobre o rio vem do sistema de irrigação utilizado no “cinturão verde” que se estende até Várzea da Palma, no Norte de Minas, onde deságua no São Francisco. A agricultura, segundo Thiago Santana, consome cerca de 60% da vazão do rio.
Em sua opinião, há carência de acesso a tecnologias mais eficazes de irrigação nessa área. Também dificulta o fato de os produtores locais fazerem rodízio de culturas sem alterar as formas de molhar as plantas. “A irrigação por gotejamento, que exige menos água, não pode ser usada, por exemplo, no cultivo de arroz, soja, milho, grãos e cereais, de forma geral”, explica. Ele afirma, ainda, que a melhoria de renda da população ampliou o acesso a produtos de bem-estar social, aumentando a demanda por água usada no processo de produção.
O lançamento de esgoto in natura é o grande vilão, conforme o pesquisador. “É um problema também cultural. Muitas pessoas preferem usar fossas para depositar dejetos do que pagar taxa de esgoto”, explica. O tratamento de esgoto também ainda tem nível muito baixo nos municípios banhados pelo rio.
Caminho rumo ao mar é interrompido
Uma das grandes vítimas da crise hídrica em Minas é o Rio Doce, que nasce nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço e, até meados deste ano, desaguava no Atlântico em Linhares, no Nordeste do Espírito Santo. Com a redução de seu volume, o Doce, que tem 86% de sua extensão em Minas Gerais, já não alcança mais o mar e tem o percurso interrompido a poucos quilômetros da foz.
A agonia do rio começa ainda em sua nascente e se agrava pelos 86.715 km² de sua bacia, que se distribui em 203 municípios mineiros e 26 capixabas. Na altura de Governador Valadares, suas águas são agredidas pela desordenada expansão mineral, pela irrigação, pela pecuária e pelo lançamento de esgotos sem tratamento.
Os lançamentos de resíduos industriais e domésticos no leito do Doce, segundo Thiago Santana, promovem o processo de eutrofização, que consiste na proliferação de algas, especialmente de cianobactérias, organismos que produzem oxigênio por meio da fotossíntese, mas também podem liberar toxinas, contribuindo para a contaminação da água. O fenômeno é provocado pela concentração de nitrogênio e fósforo liberados, principalmente, pelos fertilizantes.
Além da poluição das águas, o Doce também é atingido pela falta de matas ciliares para proteger suas margens. Em consequência, o leito é assoreado pelo desbarrancamento e por sedimentos que são carreados por outras áreas devastadas, sobretudo, para dar lugar a pastos ou cultivo agrícola. Com a redução do nível das águas, ficam à mostra barrancos de areia antes cobertos pela água.
Outras bacias
No Triângulo Mineiro, o conflito existente na bacia do Rio Paranaíba é gerado pela diferença entre demanda e disponibilidade de água. A maior pressão vem dos sistemas de irrigação usados nas propriedades rurais. A região também foi castigada pela redução das chuvas.
Já na bacia do Rio Grande, a seca atinge sobretudo a região de Furnas, no Sul de Minas, onde se localizam grandes hidrelétricas – as principais consumidoras da água. O turismo e a piscicultura também contribuem para o consumo do recurso hídrico.
Águas de Minas que rolam para São Paulo
A crise hídrica que atinge profundamente a cidade de São Paulo põe em risco, também, o abastecimento na RMBH. Duas bacias mineiras contribuem diretamente para sustentar o Sistema Cantareira, responsável pelo fornecimento de água para aproximadamente 6,5 milhões de pessoas da capital paulista e sua região metropolitana.
A bacia dos rios Piracicaba e Jaguari, no extremo Sul de Minas, une-se à bacia do Piracicaba/Capivari/Jundiaí no Estado vizinho para assegurar o fornecimento de água recurso para o Sistema Cantareira. Assim, a escassez lá acaba tendo reflexos no abastecimento em Minas.
O Rio Jaguari nasce na confluência dos municípios de Sapucaí-Mirim, Camanducaia e Itapeva. Em Extrema, recebe as águas de seu afluente Camanducaia e, ao juntarem-se ao Atibaia, em Americana (SP), formam o Piracicaba, que deságua no Tietê.
A estiagem em São Paulo também traz problemas para a Zona da Mata mineira, abrangida pela Bacia do Rio Paraíba do Sul. Ele nasce da confluência dos rios Paraitinga e Paraibuna, em São Paulo, corta os municípios mineiros de Além Paraíba, Carangola, Cataguases, Juiz de Fora, Leopoldina, Muriaé, Pirapetinga e Ubá e deságua em São João da Barra (RJ), atravessando os três principais polos industriais e populacionais do País.
De acordo com Thiago Santana, a situação tornou-se ainda mais grave depois da transposição das águas de um reservatório da bacia para atender o Sistema Cantareira, em São Paulo; e de outro ponto para o Rio Gandu, para geração de energia e fornecimento de água para cerca de 9 milhões de pessoas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Também nessa região o crescimento industrial e populacional contribui para pressionar a disponibilidade da água. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), em 9 de setembro, o volume útil do rio estava em 6,92% do seu volume total.
Risco para o abastecimento da RMBH
A continuar o ciclo de poucas chuvas, o Sistema Paraopeba, que fornece água para Belo Horizonte e outras 16 cidades da RMBH, pode entrar em colapso até novembro. A previsão é do próprio Igam, responsável pelo monitoramento da quantidade e qualidade das águas nas bacias hidrográficas e reservatórios. O estudo foi feito com base nas captações apresentadas até 26 de julho.
Para evitar o estrangulamento do abastecimento, o instituto decidiu prorrogar até outubro as restrições para captação de água nos mananciais que abastecem os três reservatórios do sistema – Rio Manso, Vargem das Flores e Serra Azul. As portarias prorrogadas definem que deve haver redução do volume captado nos seguintes percentuais:
* 20% do volume diário outorgado para as captações de água para a finalidade de consumo humano, dessedentação animal ou abastecimento público;
* 25% para a finalidade de irrigação;
* 30% para as captações de água para a finalidade de consumo industrial e agroindustrial;
* Redução de 50% do volume outorgado para as demais finalidades.
Dos três reservatórios do Sistema Paraopeba, a represa de Serra Azul, localizada nos municípios de Mateus Leme, Juatuba, Igarapé e Itaúna, é a que apresenta o mais baixo nível do volume operacional – aquele que se pode utilizar para o uso. A previsão é de que o volume atingirá apenas 3,5% em novembro, mesmo com a redução do volume outorgado. Se permanecesse com a captação total permitida, já no início de setembro o volume seria esgotado.
No Rio Manso, que abrange, além do município de mesmo nome, as cidades de Brumadinho, Crucilândia, Itatiaiuçu e Bonfim, o reservatório deve chegar até o final de novembro com 11% de seu volume operacional. Com a captação do total outorgado, a água do reservatório poderia acabar no início de outubro.
A previsão para Vargem das Flores (Contagem e Betim) é de que a represa entre em colapso em novembro, caso continuem as captações. Sem a redução, o volume operacional atingiria chegaria a 0,6%, comprometendo o abastecimento.
Fio d’água
O Governo do Estado também resolveu realizar uma obra de captação a fio d´água (diretamente no leito, sem interrupção) do Rio Paraopeba, em Brumadinho, para aumentar o nível do reservatório do Rio Manso. Serão retirados 5 mil litros por segundo (l/s).
A medida emergencial preocupa o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, Denes Martins da Costa Lott. Ele reclama que a obra foi determinada sem um estudo da capacidade hídrica do rio. “Não sei se teremos água para atender mais essa demanda”, alerta.
Lott afirma que, em função da escassez de chuvas e da degradação ambiental, o Paraopeba já está reduzindo seu volume. O Ribeirão do Chico, um de seus afluentes, já secou em função do uso indiscriminado das águas. “É preciso regular as vazões dos rios para garantir segurança à população”, recomenda.
Alerta para a qualidade das águas em Minas
Associado à falta de chuva, o alto índice de poluição dos mananciais compromete ainda mais a disponibilidade de água potável em Minas Gerais. O lançamento de esgoto doméstico e de efluentes industriais sem tratamento é o principal responsável pelo comprometimento da qualidade dos corpos d´água.
Desde 1997, o Igam realiza o monitoramento da qualidade das águas superficiais no Estado, por meio do Programa Águas de Minas. São monitoradas 543 estações distribuídas nas bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Grande, Doce, Paranaíba, Paraíba do Sul, Mucuri, Jequitinhonha, Pardo, Buranhém, Itapemirim, Itabapoana, Itanhém, Itaúnas, Jucuruçu, Peruípe, São Mateus e Piracicaba/Jaguari.
O Índice de Qualidade das Águas (IQA), que varia de 0 (muito ruim) a 100 (excelente), analisa nove parâmetros considerados mais representativos para a caracterização da qualidade das águas: oxigênio dissolvido, coliformes termotolerantes, pH, demanda bioquímica de oxigênio, nitrato, fosfato total, variação da temperatura da água, turbidez e sólidos totais.
De acordo com o levantamento, as três bacias hidrográficas que abastecem a RMBH (Velhas, Paraopeba e Pará) apresentam as piores condições do Estado. Dos nove córregos e ribeirões que compõem as bacias, sete apresentaram, em 2014, média no nível muito ruim e dois no ruim.Os indicadores alertam que as águas são impróprias para o abastecimento público apenas com o tratamento convencional. Exigem, portanto, tratamentos mais avançados.
De acordo com o relatório do Igam, essas condições são favorecidas pelo lançamento de esgotos sanitários das áreas urbanas e detritos de indústrias, frigoríficos, curtumes, laticínios, mineração e uso de insumos agrícolas nessas regiões.
Falsa melhoria
O monitoramento realizado em 2014 apresentou uma pequena melhoria nos indicadores de qualidade da água no Estado, em relação a 2013. O IQA bom passou de 32% para 39%, e o muito ruim reduziu de 20% para 14%. O médio apresentou uma pequena redução – de 46% para 44% – e o muito ruim aumentou de 2%, em 2013, para 3%, em 2014.
A aparente melhoria, no entanto, segundo análise dos técnicos, pode ser atribuída, ironicamente, à redução do volume de chuvas em 2014, notadamente no primeiro trimestre. Conforme a explicação, com a diminuição da chuva houve, também, menos carreamento de lixo, poluentes, fuligem e outros corpos que contribuem para a má qualidade da água.
Fonte: ALMG
Interessante materia. Tenho um sitio em Caratinga, bacia hidrografica do Rio Doce onde ja plantei 500 mudas de arvores nativas ao redor das minhas cinco nascentes que abastecem um pequeno corrego que movem um moinho de milho, um monjolo e um gerador eletrico. Vejo que nao ha incentivo por parte do governo para custos de preservacao ambiental. Se quis fazer tive que arcar com o ônus. E muito bonito falar, mas ninguem age, poe o pe no chão. Isac.