Bioinseticida é nova aposta no combate ao Aedes aegypti
O lançamento do inseticida biológico DengueTech marcou a abertura do seminário Vigilância em Saúde das Doenças Virais Chikungunya, Zika e Dengue: desafios para o controle e a atenção à saúde, nesta terça-feira (3), no auditório do Museu da Vida, em Manguinhos, no Rio de Janeiro. Os debates continuaram nesta quarta-feira (4).
Desenvolvido pela Fiocruz, em parceria com a empresa BR3, o DengueTech é um bioinseticida em forma de minitablete ou granulado. O produto é aplicado onde há acúmulo de água para a eliminação das larvas do Aedes aegypti, mosquito que transmite tanto a dengue quanto a chikungunya e o zika. Sem histórico de resistência aos vetores, o inseticida biológico se destaca por sua praticidade e aplicabilidade, e por seus efeitos persistirem por mais de 60 dias.
O diretor do Instituto de Tecnologia em Fármarcos (Farmanguinhos/Fiocruz), Hayne Felipe da Silva, saudou a aprovação do DengueTech pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que ocorreu na última semana, e elogiou a parceria com a BR3 no desenvolvimento de uma estratégia sustentável e eficiente de combate ao Aedes aegypti. “A cooperação técnica da Fiocruz com a BR3 permitiu o desenvolvimento em escala industrial daquilo que nós tínhamos desenvolvido em laboratório. Todo esse trabalho fez com que nós chegássemos a um produto com um nível de persistência muito maior do que aqueles hoje colocados no mercado, ecologicamente correto e sem nenhum risco para a saúde humana”, afirmou Hayne da Silva.
Diretor da BR3, Rodrigo Perez disse que o novo produto será disponibilizado em breve para população, à venda no comércio, mas também fornecido nos serviços públicos de saúde. A Anvisa ainda não autorizou o uso do DengueTech em água potável. “Foram quase cinco anos de cooperação entre a Fiocruz a BR3. O bioinseticida é uma tecnologia muito simples, que serve como alternativa ao controle mecânico ou químico. Além de obter melhores resultados, a utilização de agentes biológicos é toxicologicamente mais favorável à saúde da população”, explicou Rodrigo Perez.
A abertura do evento contou com representantes da Fundação Oswaldo Cruz, do Ministério da Saúde, dos poderes estadual e municipal de Saúde, do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Rio (Cosems-RJ) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Em sua apresentação, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, frisou que o encontro é fundamental para preparar o Sistema Único de Saúde (SUS) para o enfrentamento de doenças virais emergentes. “A Fiocruz sempre trabalha com a ideia da pesquisa voltada para a resolução de problemas da saúde pública brasileira”, afirmou Gadelha, destacando ainda as ações da Fundação no controle da dengue, chikungunya e o zika em todo o Brasil.
Na mesma linha, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, disse que a discussão sobre doenças virais deve ser reproduzida em outros estados do país, de acordo com as singularidades regionais. “Nosso desafio é diminuir os riscos e antecipar os problemas para melhorar a capacidade de resposta do sistema público de saúde para o enfrentamento das três doenças”, assinalou.
Doenças virais e desafio para a saúde pública
Na primeira mesa-redonda do evento, o representante da Opas, Carlós Melo, apresentou o Programa Regional de Dengue, que tem, como um de seus principais objetivos, reduzir em 30% as mortes pela doença no mundo até 2019. Segundo ele, a Opas está implantando uma nova classificação clínica da dengue, atualizando o Modelo de Gestão Integrado e fortalecendo a Rede de Laboratórios Integrados ao Sistema de Vigilância de Dengue. “Já percebemos a necessidade de vigilância em países onde não há zika e os efeitos da doença nos países onde ela já existe”, comentou. Segundo ele, dentre os desafios para o combate às três doenças estão a incorporação da febre chikungunya e do zika dentro da Estratégia de Gestão Integrada, o fortalecimento de políticas públicas nos países endêmicos e o ajuste dos planos nacionais com os locais.
Segunda palestrante da mesa, a coordenadora do Programa Nacional de Controle da Dengue, Priscila Leite, apresentou o panorama epidemiológico da doença no mundo. No Brasil, somente em 2015, foram registrados 775 óbitos, 77% em comparação com 2014. No país, predomina a circulação dos vírus tipo 1 (93,7%) e tipo 4 (5,1%), seguido dos tipos 2 (0,7%) e 3 (0,4%). Quanto a febre chikungunya, em 2014, a transmissão autóctone (que tem origem local) ocorreu em sete municípios, localizados nas regiões Norte e Nordeste. Já em 2015, são 44 os municípios onde há concentração da doença, sendo que a maioria dos casos foram registrados na Bahia. Entre as ações do Programa, de acordo com Priscila, está a elaboração de um Plano de Contingência Nacional para a febre chikungunya e do Guia de Manejo e Fluxograma de Risco sobre a doença. “Alguns de nossos desafios, além da inexistência de vacinas, são as medidas de controle voltadas exclusivamente ao combate ao vetor, a necessidade de preparação dos serviços de saúde e o fato de que essas doenças têm potencial de epidemia explosivo”, afirmou.
Para o coordenador geral do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), Paulo Buss, a sociedade está vivendo uma crise sanitária global, caracterizada pela eclosão de epidemias de doenças infectocontagiosas no mundo, como a de cólera na África, e a de dengue e de chikungunya no Brasil e nas Américas. Segundo ele, as alterações climáticas são as responsáveis pela transmissão desses vetores e o simples controle dessas doenças não vai levar a sua inexistência. “Não podemos colocar a culpa da transmissão da dengue na pessoa que deixa o vaso com água acumulada. Temos que responsabilizar sim as políticas públicas, que não existem”, defendeu. Para combater o problema, Buss propõe que é preciso superar as desigualdades existentes no próprio desenvolvimento tecnológico e científico ligado a essas doenças e, sobretudo, relacionar a Agenda de Desenvolvimento 2030 ao Plano Plurianual do Congresso.
Segundo o vice-presidente da Fiocruz Valcler Rangel, moderador da primeira mesa do evento, é necessário aprimorar o diagnóstico e focar nas questões que circundam a transmissão das três doenças, como as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade. “Talvez um dos grandes avanços que poderemos ter é nos organizarmos melhor, pois já contamos com importantes aparatos tecnológicos”, disse.
Os debates da tarde de terça-feira contaram com a participação da pesquisadora e representante da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Feira de Santana, na Bahia, Maricélia Maia de Lima. Na mesa Viroses emergentes: desafios para a Vigilância em Saúde, Maricélia relatou os desafios enfrentados por Feira de Santana, primeiro município do Brasil a confirmar a entrada do chikungunya no país. O primeiro caso da doença, chamado de caso índice, aconteceu em julho de 2014, quando um morador do município, que trabalhava em Angola, veio para a cidade visitar a família.
“A velocidade de transmissão da chikungunya é impressionante. A doença começou no bairro de George Américo, mas, em pouco tempo, quase todos os bairros já tinham casos identificados. Em março de 2015, a zika também entrou no município. Nessa época, estávamos lidando com três vírus circulantes: dengue, zika e chikungunya. Parecia que tinha passado um tsunami por Feira de Santana. Tínhamos que matar um leão por dia”, comentou Maricélia.
A representante da SMS de Feira de Santana mencionou a superlotação das unidades básicas de saúde e a dificuldade em diferenciar clinicamente as três viroses como grandes problemas enfrentados durante o pico da epidemia. “A unidade que atendia cem pessoas por dia passou a atender 600 pacientes. As consultas tinham que ser rápidas e os profissionais de saúde tinham que ser capazes de diferenciar entre as três viroses a partir de exames clínicos. Foi muito difícil. Percebemos a necessidade urgente de capacitar toda a equipe de profissionais de saúde para essas viroses emergentes”, apontou a pesquisadora.
Fonte: César Guerra Chevrand, Danielle Monteiro e Pamela Lang/ Fiocruz