Coluna do João Ciribelli – Enchentes do Rio Muriaé: A solução é de engenharia
O Município de Muriaé, de forma semelhante a quase todas as aglomerações humanas, surgiu e se desenvolveu próximo a um curso d’água. As primeiras habitações coletavam água do rio, dele obtinham alimento, nele se banhavam e no mesmo lançavam seus despojos. Enquanto esta população era diminuta isto não impactava o rio e nem tão pouco o meio ambiente. Com o passar dos anos e o crescimento (note que não falei desenvolvimento) que transformaram a vila em cidade e, décadas mais tarde, em pólo regional ,veio na esteira da especulação imobiliária a ocupação irresponsável, sem controle e muitas vezes equivocada das áreas que margeiam o rio. Suas consequências foram o estreitamento de calha, o assoreamento pelo lançamento de dejetos e lixo, o desmatamento da mata ciliar e por fim, a impermeabilização com a construção de moradias na margem do rio.
Infelizmente assistimos nas últimas décadas uma transformação no clima do planeta, consequência do efeito estufa (que já é consequente de outras ações como desmatamento, poluição, etc.), que mudou radicalmente o regime de chuvas e cheias dos rios, fazendo cair por terra todas as previsões dos mais competentes institutos de estudos que trabalham no campo da análise de fenômenos climáticos. Vamos ao exemplo do último ciclo de cheias do verão próximo passado. Observamos do dia 29/12/2011 a 09/01/2012, portanto em doze dias, seis cheias do rio Muriaé, batendo infelizmente, o recorde histórico de cheias de nosso rio. As fortes chuvas aconteceram como consequência da conjunção de quatro fatores climáticos (a zona de convergência do atlântico sul, zona de baixa pressão atmosférica sobre o sudeste, frente fria e queda de temperatura advinda do sul do país e um ciclone tropical no litoral norte fluminense) que atuando, em conjunto algumas vezes e em separado outras, transformaram a vida dos muriaeenses num pesadelo que parecia não ter fim. Equipes da defesa civil foram mobilizadas e trabalharam dia e noite. A administração municipal atuou de forma rápida e bastante intensa fazendo com que, felizmente, a nossa cidade conseguisse atravessar estes dias sem registrar NENHUMA vítima fatal, sendo que, municípios vizinhos também assolados pela mesma catástrofe, não obtiveram o mesmo resultado sobre este aspecto. Foram mais de trezentos e cinquenta municípios afetados em nosso estado, cidades arrasadas, dezenas de mortos, milhares de desabrigados, classificando este fenômeno climático com o maior e mais avassalador já registrado nos últimos 100 anos.
A discussão se acalorou: de quem era a culpa? Quem ou o que ocasionou tal fato? O que poderia ser feito para evitar tal situação? Bem, desconsiderando os insanos de plantão, que nada de concreto fazem a não ser culpar o governo por todas as mazelas que acontecem, vamos com lucidez apontar os principais culpados: OS CULPADOS SOMOS NÓS. Foram nossos pais, nossos avós, nossos tios, os que primeiro aqui chegaram e os que, ao longo da história do nosso município, por ignorância, por despreparo, por não avaliarem a consequência de muitos de seus atos é que fizeram com que a situação chegasse ao ponto que chegou. Mas, se somos os responsáveis e não há como, pelo menos em curto prazo, reverter esta situação, chegou a hora de arregaçarmos as mangas e tentarmos minimizar de fato o problema, com soluções concretas e viáveis, sem sonhos mirabolantes e conversas vazias que não nos levarão a lugar algum. É ai, justamente neste ponto, que entra a engenharia.
O município contratou empresas e técnicos conceituados para discutirmos o problema e houve um consenso em relação às alternativas para a questão. São várias as soluções possíveis, vamos aqui apontar as três que nos parecerem ser as mais adequadas, de menor custo e com possibilidade de execução em um prazo mais exíguo de tempo:
Primeira – Construção de barragem de retenção no rio Preto
Uma vez que há a real possibilidade de surgimento de novos fenômenos climáticos em virtude do aquecimento global, ano após ano, e ante a incerteza da possibilidade da repetição da calamidade ocorrida no último verão, surge a necessidade de reter parte do volume de água que chega ao perímetro urbano pelos rios Muriaé e seu principal afluente, o rio Preto. Este último é responsável por praticamente metade da vazão do rio Muriaé após o encontro de suas águas. Ora, fica fácil concluir que se no pico da enchente registramos uma elevação de 5,4m do rio próximo a Casa de Saúde Santa Lúcia e que, o limite de cheia do rio para que a água comece a invadir a Prainha e o bairro da Barra é de 2,7m (a metade portanto), conseguindo segurar a vazão do rio Preto por alguns dias e regulando esta vazão nos dias subsequentes, para que nunca seja ultrapassado o limite de 2,7m, conseguiremos enfrentar um regime de chuvas semelhante ao ocorrido sem danos para a cidade.E por que o rio Preto e não o Muriaé? Os estudos realizados pelos técnicos do município, indicam que uma barragem de retenção no rio Preto inundaria uma área de 5 km quadrados ao passo que no rio Muriaé esta área inundada seria de 25 km quadrados além de atingir estradas e várias edificações rurais. O impacto ambiental, social e econômico da barragem do rio Preto seria bem menor. Já que não podemos fazer parar de chover, poderemos segurar e controlar o volume de água que chega a nossa cidade pelo rio.
Segunda – A remoção de corredeiras e zonas de represamento no perímetro urbano
Temos, do bairro Santana até o bairro da Encoberta, pelo menos seis pontos importantes de corredeiras e zonas de represamento do rio que fazem com que a vazão nestes trechos seja reduzida drasticamente. Se estas corredeiras fossem retiradas a vazão e velocidade das águas do rio aumentariam, aumentando também a capacidade de escoamento, reduzindo com isto, o nível atingido na época das cheias. No entanto esta retirada precisa ser feita de forma racional para não causarmos um problema ambiental com o rebaixamento do nível do rio na época da seca. Por este motivo a remoção deve ser feita no meio do rio em forma de sulco longitudinal que provocaria o aumento da pressão em função do aumento de profundidade e consequente o aumento de velocidade e vazão nestes trechos. Funciona mais ou menos como um “sugador” de águas se pudéssemos comparar em linguagem menos técnica. Esta solução traz um impacto menor para o rio e gera um aumento de vazão quase tão grande quanto à retirada total da corredeira.
Terceira – A ampliação da largura da calha do rio no trecho urbano
Com a ocupação desordenada das margens do rio, observamos hoje, principalmente no bairro da Barra, vários pontos de estreitamento da largura do rio, provocando a diminuição da vazão e o aumento do acúmulo de resíduos nestas áreas. Bem, aí não tem outra forma, “perdem-se os anéis para não perdermos os dedos”, a solução é a desapropriação e a retirada dos imóveis situados na margem do rio com o alargamento destes trechos e construção de uma avenida marginal ao curso d’água. Esta avenida sanitária facilitaria o acesso a este quando houvesse a necessidade de remoção de entulho, lixo ou qualquer outro tipo de intervenção de limpeza e desassoreamento que se fizessem necessárias.
Existem outras soluções apontadas pelos estudos técnicos encomendados pelo Município, mas implicam em intervenções mais profundas e de um custo ainda maior. As três intervenções apontadas acima, já foram analisadas e aprovadas pelos técnicos dos Ministérios da Integração e das Cidades em Brasília e, estamos certos que os recursos serão disponibilizados para tal fim. São soluções de engenharia que atuando em conjunto nos tranquilizarão num horizonte de pelo menos cinquenta anos. Neste prazo, quem sabe com a mudança dos hábitos de todos nós no que diz respeito às agressões ao meio ambiente, possamos assistir a reversão destes fenômenos anômalos e possamos viver dias melhores sobre todos os aspectos.
Termino com uma citação do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht que diz: “Chamam de violentas as águas dos rios, mas não chamam de violentas as margens que o aprisionam.” Vamos pensar nisto e analisarmos a nossa participação em todo este processo. Este é, sem dúvida, um bom tema para reflexão.
Autor: Joao Ciribelli, engenheiro civil pela UFJF