Coluna do Carlos Cerqueira – Caminho de aromas
O sentido do olfato sempre exerceu uma grande influência na vida e para a vida, é pelo cheiro que animais atraem parceiros, caçam e evitam alimentos venenosos. É fato que não é necessário ingerir uma substância para que ela faça efeito sobre o organismo, pelo contrário, na inalação as substâncias entram diretamente em contato com a corrente sanguínea e posteriormente o sistema nervoso central.
Nosso nariz é tão sensível e é tão refinada a capacidade de recepção de nosso cérebro, que bastam 0,0005g de escopolamina pura para exercer um efeito excitante sobre o organismo. O olfato parece ser o mais especializado dos sentidos, capaz de reconhecer e lembrar cerca de 10.000 odores diferentes, tendo uma íntima ligação com nossas emoções.
Grandes civilizações da Antiguidade, como os egípcios, recorriam constantemente às essências aromáticas com finalidades de manter um bem-estar físico e espiritual, o que também percebemos nos rituais do budismo tibetano; dos tabernáculos do Antigo Testamento; entre os pajés e xamãs de tribos indígenas, todos esses povos usavam a fumaça da queima de ervas para purificação. Não é a toa que palavra perfume deriva do latim “per fumum” que significa “através da fumaça”.
Os aromas das plantas são pequenas substâncias pertencentes à classe dos terpenos e capazes de se desprender do vegetal devido ao baixo peso molecular, são a composição dos óleos essenciais/voláteis ou essências aromáticas, os quais apesar de chamados por óleos nada têm em comum com os óleos tradicionais e gorduras, enquanto os segundos têm finalidades principalmente alimentícias e hidratantes, os primeiros têm uma imensa lista de propriedades medicinais e são extraídos por destilação.
Há informações da existência de destiladores primitivos há milhares de anos antes, mas é no séc. X que aparece o primeiro registro do processo de arrefecimento, com o príncipe dos médicos na Arábia, Avicena, destilando óleo essencial de rosas, ou seja, surge a serpentina para resfriar e condensar o vapor, aperfeiçoando o processo de extração destas substâncias.
Na Idade Média, os alquimistas, indivíduos que buscavam o aprimoramento das substâncias químicas e da alma, iniciam diversas experiências na busca do elixir da longa juventude e da quinta essência, usando para isso, entre outros materiais, óleos essenciais, expandindo o conhecimento sobre os mesmos.
Até que na era moderna, com o surgimento de novas tecnologias, intensificaram-se os estudos sobre as plantas aromáticas. No início do séc XX, Cuthbert Hall demonstra que o poder antisséptico do óleo volátil de eucalipto em sua forma natural era muito mais forte do que seu princípio ativo isolado: o eucaliptol.
Neste mesmo período o francês René Gattefossé, criava o termo aromaterapia. Conta-se que houve um acidente quando ele estava fazendo uma destilação em seu laboratório, causando uma séria queimadura no braço, e que passando o óleo essencial de lavanda em sua pele, se recuperou em pouco tempo sem sequelas. Realmente é um produto muito eficaz na regeneração epitelial, bastando diluir 1 gota em 20 de água, sendo, contudo, imprescindível o natural e não as essências sintéticas encontradas no comércio e sem valor terapêutico.
Na Segunda Guerra Mundial, Jean Valnet, médico da Frente Armada Francesa e admirador do trabalho de Gattefossé, ao ficar sem antibióticos, usou as essências aromáticas, se surpreendendo com os resultados positivos nos tratamentos dos processos infecciosos, tendo seguidores como Paul Belaiche e Claude Lapraz, que confirmaram as propriedades antivirais, antibacterianas, antifúngicas e antissépticas, além da capacidade de servirem como agentes de transporte na entrega de nutrientes às células do corpo. Em 1964, Valnet publica o livro “Aromatherapie”, onde expõe os resultados da utilização da aromaterapia no tratamento de desordens médicas e psiquiátricas em sua prática clínica.
Muitas outras publicações surgiram nessa época, como o trabalho de Margarite Maury divulgando a aplicação dos óleos essenciais de acordo com características de personalidade e temperamento, técnica utilizada a milênios pelos indianos na medicina ayurvédica, e do médico alemão Arnold Krumm Heller, com a obra intitulada “Do Incenso à Osmoterapia”, onde relatou recuperações bem sucedidas de drogados através do uso dos óleos aromáticos e a importância destes no equilíbrio emocional.
Em 1982, nos EUA, é criado o The Sense of Smell Institute, entidade voltada às propriedades do olfato e dos aromas e sua importância na psicologia humana, como a relação entre as lembranças e os cheiros. Este instituto faz pesquisas científicas em hospitais e universidades, como os conduzidos em conjunto no Sloan Kettering Câncer Center, instituição que faz tratamentos e diagnósticos do câncer; e com hospitais ingleses como o Royal Sussex Country Hospital, num trabalho para a redução da ansiedade de pacientes em tratamento.
Muitos artigos científicos, dissertações e teses acadêmicas vem sendo realizadas confirmando a eficácia dessas substâncias, além disso, existem muitas espécies medicinais da tradição popular com seus óleos essenciais ainda desconhecidos, como foi o caso da árvore Para-tudo (Hortia brasiliana) pesquisada no mestrado do autor desta coluna, onde detectamos -bisabolol e cariofileno, de reconhecidas propriedades anti-inflamatórias e antimicrobianas.
Óleos essenciais são uma alternativa no tratamento de muitos problemas de saúde e uma promessa para muitas doenças ainda incuráveis.
Curso Terapia com Óleos Essenciais – Aromaterapia
Dias 14 e 15 de novembro na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Curso aberto ao público em geral.
Mais informações: [email protected]
Autor: Carlos Cerqueira Magalhães – Farmacêutico, M.e em Ciências Farmacêuticas (Produtos Naturais Bioativos) pela UFJF