Coluna do Jackson Fernandes – Nossas calçadas e a caminhabilidade
Segundo John Butcher, caminhar é conveniente, não precisa de nenhum equipamento especial, é auto-regulador e intrinsecamente seguro. Andar a pé é tão natural quanto respirar.
De acordo com o IBGE, a cidade de Muriaé tem uma população estimada de 105.861 habitantes, com uma região geográfica de 841,693km2, perfazendo uma densidade demográfica de 125,77 habitantes/km2 (estimativa 2013).
Não temos registros de quilometros de ruas e nem de calçadas urbanas existentes na cidade mas, pesquisando no Google Maps, pode-se medir a distância entre dois pontos, tomando assim, o tamanho das ruas que forem necessárias. Como exemplo sito a Av. Juscelino Kubitschek que, no Google Maps domonstra ter 1,6 km e a Rua Cel. Domiciano 300m. Tirando os inicios e términos de quadras é possível traçar o tanto de metragem de calçadas que temos na cidade.
Critérios variáves e confusos sobre a ocupação e uso do solo, além da falta de fiscalização nas construções, faz com que nossas calçadas sejam disformes, de tamanhos variados e com inclinações irregulares.
Por boas calçadas, entende-se: largas, com mobiliário bem localizado e com bons espaço de passeio livre, sem obstáculos, bem iluminada, contínuas, arborizadas, com piso tátil, com rebaixamento de entrada de garagem bem sinalizado, sem degraus, com inclinação mínima e vibrante.
A calçada é a parte da via normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestre e, quando possível, à implantação de mobiliário, sinalização, vegetação e outros afins (Código de Trânsito Brasileiro (CTB), 1997).
Fiz um levantamento das condições de nossas calçadas baseado na “Campanha Calçadas Brasil” deflagrado pelo site Mobilize, que consiste em pesquisa de campo, onde foram observadas, in loco, diversas calçadas da cidade, inclusive pontes, viadutos e passarelas. Foram observadas as calçadas com grande movimentação de pedestres. Calçadas que dão acesso a prédios mais utilizados, como hospitais, escolas, prédios públicos, comércio e o entorno das principais praças.
Foram avaliadas quesitos como irregularidades, degraus, inclinação, largura, presença de rampas, obstáculos, iluminação, paisagem/arborização e sinalização, que receberam notas de 0 a 10. foram avaliadas um total de 23 calçadas, 11 pontes, 1 passarela, 1 tunel e 1 viaduto, quais sejam:
Rua Barão do Monte Alto; Rua Dr. Silveira Brum; Rua Dr. Alves Pequeno; Praça João Pinheiro; Praça Cel. Pacheco de Medeiros; Rua Paschoal Bernardino; Rua Cel. Izalino; Rua Cel. Fco Gomes Campos; Rua Cel. Domiciano; Rua Cel. Amador Pinheiro de Barros; Rua Dr. Antonio Canedo; Rua Prof. Carvalho; Av. José Maximo Ribeiro; Rua Professora Odaleia Morais; Rua Benedito Valadares; Rua Cel. Monteiro de Castro; Praça Cel. Tibúrcio; Rua Francisco Cascelli; Rua João Dornelas; Rua Desembargador Canedo; Av. Juscelino Kubistschek; Rua Cel. Marciano Rodrigues e todas as pontes urbanas da cidades.
Basta uma volta a pé pela cidade para nos deparamos com buracos que se multiplicam, além do excesso de obstáculos. Iluminação, só as das ruas mesmo. Sacos de lixos e sobras de obras espalhados que nos faz andar pela rua. Veículos estacionados sobre as calçadas. Ambulantes pelos cantos ou à beira das calçadas. Rampas e declíves perigosos, além de degraus com mais de 7cm de altura. A descontinuidade, a sua falta e defeitos diversos desencorajam qualquer prazer de andar e se torna desanimador para os entusiastas do estilo de vida sustentável e impossível para os cadeirantes.
Os pedestres, ao contrário dos automóveis, são encarados como figuras elásticas e com poderes para saltar e se esgueirar entre obstáculos. Se a capacidade das calçadas é insuficiente, o pedestre que se vire. E se vira mesmo. Um esbarrão aqui, uma cotovelada logo adiante, um escorregão acolá, uma espera em fila única para passar num local muito estreito, uma caminhada perigosa na rua junto à calçada, quando não há mais espaço no passeio, ou até mesmo invasão de lojas nos pontos de espera de ônibus, especialmente em dias chuvosos. Os pedestres aceitam essa situação caladamente e com resignação, vociferando somente contra outro pedestre que lhe empurra ou contra algum motorista que ameace atropelá-lo. Suas vozes são fracas, física e politicamente. Sem buzina, a aceleração calada de seu coração nada revela publicamente. Na periferia das cidades a situação piora, pois não existem nem mesmo calçadas estreitas, e às vezes tampouco acostamentos: o pedestre disputa na própria pista o espaço com veículos em alta velocidade. (E. J. Daros em “O Pedestre” – ABRASPE – Associação Brasileira de Pedestre, 2000).
Segundo a Lei nº. 12.587/12 – Lei da Mobilidade, o transporte não motorizado (a pé, de bicicleta e em cadeira de rodas) tem prioridade sobre o transporte motorizado e, ainda, segundo o CTB (Lei nº. 9.503/1998), a segurança de pedestres no trânsito tem prioridade sobre a segurança de todos os condutores e passageiros de veículos, motorizados ou não.
De uma maneira geral, o responsável pela construçao e manutenção das calçadas é o proprietário do imóvel. Aquelas de acesso ao patrimônio público é de exclusiva responsabilidade do poder público, mas cabe a este a fiscalização constante e sua devida correção.
Leis é que não faltam, pesquisando as leis disponíveis no site da câmara Municipal de Muriaé encontramos diversas que disciplinam sua construção e ocupação, a começar pela primeira encontrada – Lei nº. 817 de 1979 que “DISPÕE SOBRE PASSEIOS PÚBLICOS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”
Art. 1º – Os proprietários de terrenos urbanos, com ou sem benfeitorias, são obrigados a construir e conservar passeios até o meio fio e em toda a extensão da testada do lote.
Somente em 1987 é que foi editado o Código de Obras da cidade, através da Lei 1.232, onde se procura delinear a forma dos passeios e o material usado, além de obrigar sua construção pelos proprietários dos imóveis. Depois, em 1989 é editada a Lei nº. 1.376 que não acrescenta nenhuma relevância, apenas reafirma o propósito da lei anterior para algumas ruas específicas da cidade mas, acrescenta em seu Artigo 2º, ainda que para as ruas nela mencionadas, a obrigação do município de fazê-las.
Art. 2º – Fica o Poder Executivo autorizado a mandar fazer o passeio e cobrar o respectivo custo acrescido de 20% de taxa de Administração, caso o proprietário não providencie sua construção dentro do prazo de 30 dias a contar da data da publicação desta lei.
Parágrafo único – O Poder Executivo deverá dar prioridade para construção nas ruas ou logradouros em que os usuários reivindicarem.
Em 1993 foi editada uma nova Lei – a de nº. 1.777, tendo um pouco mais de abrangência, definindo o passeio público e obrigando o proprietário do imóvel a fazê-lo, bem como, em seu Artigo 4º exigindo projeto de passeio para novas construções, de qualquer natureza e cita os Distritos e povoados. Quatro anos depois – 1997, veio outra Lei, a de nº. 2.103/97. Dessa vez, dando poder aos comerciantes de fazer uso do passeio para exposição de seus produtos – uma lástima que perdura até os dias de hoje.
Art. 1º – As firmas comerciais em geral, legalmente estabelecidas, fica autorizada a extensão de suas atividades comerciais nos passeios públicos com, pelo menos, 03 (três) metros de largura, em área nunca superior a 1 1/2m (um metro e meio) de largura a partir da testada, na forma seguinte:
I – casas comerciais, farmácias e similares, durante todo o horário comercial;
II – bares, restaurantes e similares:
a) de segunda a sexta-feira, após as 18 horas;
b) aos sábados, após as 10 horas;
c) aos domingos e feriados, durante todo o dia.
Logo em seguida, veio a Lei nº. 2.259/98 que dispõe sobre o rebaixamento de guias das calçadas e, por fim, veio um novo ordenamento, através da Lei nº. 2.334 de 24 de Agosto de 1999 que trata do parcelamento do solo urbano.
Todas estas leis estão disponíveis no site da Câmara Municipal de Muriaé, no link:
http://wwww.camaramuriae.mg.gov.br/index.php/legislacao/leis-municipais
Andando de carro, a gente não percebe o que precisa mudar de fato para o pedestre. Mas com caminhadas é que podemos descobrir o que é preciso melhorar.
Diversos trabalhos são encontrados sobre a melhoria de nossas calçadas e outros incentivando a caminhabilidade. Para caminharmos, para o nosso dia-a-dia e para um convívio social é preciso boas calçadas. A calçada, assim como as Praças é o lugar onde as pessoas se encontram. É andando a pé que você vicencia a cidade. As pessoas só estão propensas a andar a pé se lhes for seguro, saudável, com ambiente prazeroso, de preferência com bancos para descanços, sinalização e proteção. Fora disso, só mesmo a obrigação de andar.
Na medidada que usamos veículos automotores, vamos nos tornando menos saudáveis e nossos ambientes crescem sob pressão. Assim perdemos qualidade de vida e a caminhada deixa de ser uma atividade diária para se tornar uma atividade esportiva.
Segundo o site Walk21, devemos incentivar a caminhabilidade, seja através de ações de uma cultura e política cotidiana, desfrutando de um passeio como parte de sua vida social.
Ele propõe ações de encorajamento dos membros de uma comunidade, criando uma imagem positiva de se andar, fazendo da caminhada um patrimônio cultural.
As ruas devem ser pensadas para as pessoas e não apenas para os carros, reconhecendo que as ruas são espaços de convívio social, bem como o espaço do transporte coletivo urbano. Criar ambientes livres de carros para ser apreciado por todos, apoiados na interação social.
Para isso, o poder público deve oferecer calçadas limpas, bem iluminadas, livre de obstrução, de largura suficiente para sua utilização e com travessias seguras, sem alternar níves ou desvios.
As calçadas também carecem de sinalização, tanto quanto é dispensado para os automóveis, além de proteção. Reduzir os riscos que os automóveis apresentam aos pedestres, gerenciando melhor o tráfego da cidade, como por exemplo, estabelecendo zonas 30 (zonas cuja velocidade máxima seja 30 km/h), criando ruas acalmadas.
É preciso envolver entidades de classe (grupo de jovens, idosos, deficientes), poder público (transportes, saúde, educação e polícia) para que ações de melhoria e incentivo sejam postas em prática.
É preciso colocar as pessoas que andam a pé no centro do planejamento urbano, como parte da política de Mobilidade Urbana.
Melhorar a mobilidade significa melhorar diretamente a qualidade de vida das pessoas. Dar a elas o direito de acessar tudo o que as cidades têm de bom a oferecer. Significa garantir que a gente tenha escolhas democráticas e eficientes de deslocamento para o trabalho, para a faculdade, para o cinema, para onde for. Walk21.
Algumas cenas observadas em Muriaé que são infrações previstas no CTB.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em seu artigo 48, caput, determina o estacionamento de veículos no sentido do fluxo paralelo ao bordo da pista de rolamento e junto ao meio-fio. Em alguns locais foram encontrados veículos estacionados sobre a calçada. Porém numa breve caminhada pelas ruas de estudo e mesmo por outras do Centro podem ser flagradas situações em desacordo com o exposto na legislação (figura 1). O estacionamento sobre o passeio é falta grave prevista no artigo 181, alínea VIII, do CTB e, como medida administrativa, deve ser o veículo removido.
Fig. 1 – Veículos estacionados sobre o passeio nas Rua Francisco Casceli no Bairro Dornelas e na Rua Benedito Valadares no Bairro da barra.
Foi verificado que algumas obras realizadas não cumprem o que determinam o CTB (artigo 68, parágrafo 5º) que diz que “onde houver obstrução da calçada ou da passagem para pedestre o órgão ou entidade com circunscrição sobre a via deverá assegurar a devida sinalização e proteção para a circulação de pedestres” (Brasil, 1997), figura 2.
Fig. 2. Material de obra sobre a calçada na Rua Santa Ria
Outro problema detectado diz respeito ao mau estado de conservação dos passeios (figura 3) ferindo preceito municipal que obriga os proprietários dos terrenos edificados em logradouros a “manter os passeios em perfeito estado de conservação, empregando nos consertos o mesmo material previsto para o logradouro”.
Fig. 3 – Mau conservação das calçadas – na ordem, Av. Juscelino Kubitscheck (próximo ao prédio da Receita Federal) buraco intransponível. Rua Cel. Izalino (acesso ao Hospital São Paulo) buracos e degraus.
Na área estudada foi encontrado, também, passeio com largura insuficiente para o trânsito de pedestre (figura 4), pois “o mobiliário deve ser disposto de modo a não diminuir a capacidade dos passeios e não obstruir o caminho dos pedestres” (DENATRAN, 1979).
Nesta figura pode-se ver mobiliário disperso pela calçada e presença de ambulantes com mercadoria sobre a calçada – tomando espaço do pedestre, tornando praticamente impossível o tráfego tranqüilo e confortável dos pedestres.
Fig. 4 – mobiliário disperso na Rua Barão do Monte Alto e presença de ambulante com sua mercadoria sobre a calçada na Rua Dr. Alves Pequeno.
Visando a proporcionar um local protegido para os pedestres que esperam o momento apropriado para realizar a travessia da via são construídos refúgios. Estes devem ter uma largura mínima de 1,5m sendo aceita a dimensão de 1,20m (DENATRAN, 1979).
Infelizmente, os refúgios existentes na cidade estão em desacordo com estas dimensões em um local de grande fluxo de pedestre (figura 5).
Fig. 5 – Ilha de refúgio localizado na Rua Paschoal Bernardindo e na Rua Cel. Domiciano – Centro
Depara-se, também, com absurdos cometidos pelo poder público, como a construção da cobertura da quadra desta escola – Escola Cândido Portinari (figura 6) em que o muro tomou toda a calçada, invadindo até mesmo a rua.
Fig. 6 – Muro da quadra da Escola Municipal no Bairro São Joaquim – Av. Antonio Tureta com Rua Topázio
Bibliografia
* SampaPé
* Mobilize Brasil
* Walk21
* Câmara Municipal de Muriaé
* ABRASPE – Associação Brasileira do Pedestre
Autor: Jackson Fernandes – Especialista em Gestão, Educação e Segurança do Trânsito pela POSGRADUAR-BH e Especialista em Gestão da Mobilidade Urbana pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP)