Impactos de mineração e hidroelétricas são temas de reuniões do MP Itinerante na região
Evento aconteceu em Laranjal, Rosário da Limeira, Miradouro e Vieras, na Zona da Mata mineira. Além das reuniões com as comunidades atingidas por grandes empreendimentos, os encontros tiveram serviços de cidadania e palestras sobre políticas públicas
A instalação de barragens e grandes empreendimentos de mineração em comunidades tradicionais geram impactos complexos e reforçam a necessidade de muito diálogo e de trabalho permanente de instituições da Justiça.
A constatação, base da atuação do Centro de Apoio Operacional às promotorias de Justiça de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), transpareceu durante a terceira edição do Ministério Público Itinerante, realizada em Laranjal, Rosário da Limeira, Miradouro e Vieiras, na microrregião de Muriaé, na Zona da Mata mineira. Em três das quatro cidades visitadas entre os dias 18 e 21 de março, houve reuniões que trataram do tema e apontaram a urgência de reparações sociais e econômicas para moradores do entorno das áreas de exploração.
O evento do MPMG iniciou as conversas sobre o tema em Laranjal, na terça-feira, 17. Em reunião com o coordenador do CAO-Cimos, Paulo César Vicente de Lima, pescadores e agricultores familiares narraram os desafios da convivência com a barragem do local conhecido como Barra do Braúna, onde uma usina hidroelétrica se instalou em 2010. A criação do lago impactou comunidades de pescadores e agricultores familiares. A empresa, na época, promoveu ações de reparação socioeconômica por meio de duas cooperativas locais, uma voltada à produção de peixes em cativeiro e outra que atuava com a produção de mudas nativas e frutíferas, uma além do cultivo de seringueiras.
Embora, segundo membros da comunidade, o fomento à produção tenha funcionado nos primeiros anos, os resultados começaram a refluir logo antes da pandemia e foram definhando com o tempo. Durante a reunião, as críticas se voltaram à má gestão das cooperativas e ao desinteresse da concessionária operadora da usina em prosseguir com os projetos. O sintoma atual do desarranjo é a persistência da vulnerabilidade social e econômica das famílias, além da frustração com o encerramento das atividades econômicas introduzidas, que, por algum momento, trouxeram esperança de reparação digna.
Na quarta-feira, o foco se voltou à exploração de bauxita na vizinha Rosário da Limeira. O minério, base para a produção de alumínio, é abundante na região — a Zona da Mata de Minas tem a segunda maior jazida do Brasil. No caso do município, as licenças ambientais para exploração do minério avançaram nos últimos anos, embora a operação ainda não esteja acontecendo. Duas queixas foram recorrentes entre as famílias presentes no encontro com o Cao-Cimos.
Em primeiro lugar, a comunidade questionou a prática da concessionária em negociar individualmente com os pequenos proprietários o arrendamento de terrenos para pesquisa do solo ou a compra de lotes e fazendas. De acordo com os relatos, representantes da empresa vem visitando os moradores de porta em porta pedindo para iniciar pesquisas de concentração do minério nas terras. Além de alimentar especulações na comunidade, as sondagens individuais, segundo os moradores, se desdobram em intimidações e assédio, especialmente quando se trata de famílias humildes. Os participantes da reunião alegaram que a empresa tem por padrão ignorar movimentos sociais e impedir a negociação coletiva de direitos.
Uma segunda preocupação dos moradores é em relação ao futuro da comunidade. A exploração da bauxita pode acabar com o modo de vida tradicional da região a ponto de inviabilizar a moradia no entorno da jazida. Isso porque os impactos podem envolver o trânsito intenso de caminhões e máquinas pesadas, desafiando a estrutura das casas; além do fluxo intenso de grandes levas de trabalhadores homens e a poluição das águas e do ar, que podem prejudicar a produção do campo. Por outro lado, para quem vender seus terrenos à mineradora, fica a incerteza da adaptação à vida urbana, provável destino para desalojados pelo empreendimento.
Para além do impacto socioeconômico de um possível início da exploração, há um agravante ambiental na mineração de bauxita no local. Boa parte das jazidas encontram-se na chamada zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, que circunda 10km ao redor da reserva legalizada. Isso significa que, no local, há restrições a atividades que possam impactar a biodiversidade e segurança da área protegida, caso da mineração.
Em Miradouro, no terceiro dia de serviços do MP Itinerante, um proprietário de um sítio rural situado na zona de amortecimento do parque da Serra do Brigadeiro procurou a promotoria de Justiça local para denunciar o início de obras de uma barragem para geração de energia hidroelétrica. De acordo com o morador da comunidade, existe o risco de redução brusca do nível de água no rio, o que pode impactar economicamente o turismo e a produção rural na região. A reunião foi acompanhada pelo coordenador do CAO-Cimos Regional Zona Da Mata, Felipe Valente Vasconcelos Sousa.
A historiadora e assessora do MPMG, Marcella Nunes, destacou que as reuniões abriram um novo canal de diálogo com as comunidades atingidas pelos empreendimentos. “Foi o primeiro contato do CAO-Cimos da Zona da Mata com essas populações. E o MPMG escutou as demandas para que elas sejam melhor apuradas, para que a situação seja compreendida visando a garantia dos direitos dessas populações”, ressaltou. De acordo com a servidora, as políticas nacional e estadual de atingidos por barragens trazem avanços na reparação, uma vez que as leis trazem tipificações de danos e caminhos para o enfrentamento dos impactos. Embora no caso de Rosário da Limeira não exista barragem de rejeitos, a legislação permite interpretar os impactos por analogia, facilitando o enquadramento dos empreendimentos nas hipóteses legais. “O MPMG atua para garantir o direito de reparação integral, direito ao bem viver para que o modo de vida e a dignidade dessa população sejam mantidos”, disse, reconhecendo a complexidade dos casos.
O promotor de Justiça de Muriaé Pedro Henrique Alvim ressaltou a relevância dos encontros. “É nossa obrigação e responsabilidade estar presente na comunidade, auxiliar a comunidade nessas reuniões sobre empreendimentos que podem gerar repercussões socioeconômicas, por exemplo a mineração da bauxita”, explicou. “Nós tomamos ciência do que está acontecendo aqui, tanto da região de Rosário da Limeira quanto dos municípios limítrofes, então a partir do que a gente discutiu aqui, nós vamos pensar no que podemos fazer para dar um apoio a essa comunidade atingida e tentar de alguma maneira evitar ou mitigar esses danos socioeconômicos”, relatou.
A atuação direta sobre os casos é de competência das promotorias de Justiça locais. Os centros de apoio operacional do MPMG, como o CAO-Cimos, são órgãos que prestam suporte aos promotores, auxiliando na formulação das estratégias para o caso e disponibilizando informações e documentos para a atuação. No caso da mineração, os impactos socioeconômicos se somam aos impactos ambientais, tornando a reparação ainda mais complexa.
MP Itinerante
O Ministério Público Itinerante é realizado pelo MPMG por meio do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça para Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos) desde 2010. No ano passado, foram realizadas 34 edições do projeto, em municípios de várias regiões de Minas Gerais, como Vale do Jequitinhonha, Vale do Mucuri e Zona da Mata, impactando a vida de cerca de 60 mil pessoas que participaram das atividades e usufruíram dos serviços oferecidos.
Nesta terceira edição, houve ainda reuniões comunitárias sobre conselhos e conferências de saúde, defesa do consumidor, saúde bucal e políticas de atendimento à população. Em 2025, serão realizadas mais de 50 edições, e a expectativa é que o número de participantes seja superior ao do ano passado.
Durante os eventos, foram ofertados diversos serviços gratuitos, como emissão de segundas vias de certidões de nascimento, casamento e óbito pelos cartórios dos municípios, com apoio do Sindicato dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de Minas Gerais (Recivil), atendimentos da Cemig, Copasa, Emater, OAB, INSS, Sine, Sedese, Polícia Civil e pelo Cejusc Itinerante, além dos serviços ofertados pelas prefeituras municipais e suas secretarias.
Estudantes de 14 a 17 anos participaram da palestra “Promotor por um dia: cidadania e Ministério Público”, apresentado pela promotora de Justiça Jackeliny Ferreira Rangel. Durante a atividade, os jovens tiveram a oportunidade de conhecer o trabalho do Ministério Público. Após a fala, o compositor belo-horizontino MC Kroif apresentou a cultura do hip hop e finalizou a atividade cantando seus principais sucessos.
O MP Itinerante conta com diversos parceiros. Entre eles, estão: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), por meio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc); Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig); Sindicato dos Oficiais de Registro Civil de Minas Gerais (Recivil); Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa); Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG); Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Minas); Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG); Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG); Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais; Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese), por meio do Sistema Nacional de Emprego em Minas Gerais (Sine-MG); Serviço Social Autônomo (Servas); Empresa Mineira de Comunicação (EMC), por meio da Rede Minas e da Rádio Inconfidência, Correios.
Fonte: MPMG