Justiça do Trabalho reconhece morte por Covid como acidente de trabalho; indenização de R$ 200 mil
Além disso, o magistrado reforçou que não foi apontada a quantidade fornecida do álcool em gel e de máscara, “não sendo possível confirmar se era suficiente para uso diário e regular durante os trajetos percorridos”, frisou o julgador.
Ele lembrou, ainda, que não foram apresentados também comprovantes de participação da vítima e seus colegas em cursos lecionados periodicamente sobre as medidas de prevenção.
Para o juiz, é irrefutável que o motorista falecido, em razão da função e da época em que desenvolveu as atividades, estava exposto a perigo maior do que aquele comum aos demais empregados, “não sendo proporcional, nesta mesma medida, promover tratamento igual ao que conferido a estes quando da imputação da responsabilidade civil”.
Segundo o julgador, tais peculiaridades, seguindo o que prescreve o artigo 8º, caput e parágrafo 1º da CLT, atraem a aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil brasileiro, “ficando assim prejudicada a alegação da defesa de que não teria existido culpa, e que isso seria suficiente para obstar sua responsabilização”.
Na visão do juiz, não se nega que a culpa exclusiva da vítima seria fator de causa excludente do nexo de causalidade. “Entretanto, no caso examinado, não há elementos que possam incutir na conclusão de que ela teria se verificado da maneira alegada pela empresa, por inobservância contundente de regras e orientações sanitárias, valendo registrar que o ônus na comprovação competia à reclamada e deste encargo não se desvencilhou”, frisou.
Assim, diante de todo o quadro, o juiz entendeu que ficaram evidenciados os requisitos para imputação à empresa do dever de indenizar. Para o julgador, a responsabilidade civil da empresa restaria prejudicada em absoluto, pelo afastamento do nexo causal, se, e tão somente se, houvesse comprovação total de que adotou postura de proatividade e zelo em relação aos seus empregados, aderindo ao conjunto de medidas capazes de, senão neutralizar, ao menos, minimizar o risco imposto aos motoristas e demais colaboradores. “Porém, não foi essa a concepção que defluiu do conjunto probatório vertido”, ressaltou.
Por isso, visando a assegurar a coerência entre a aplicação e a finalidade do direito, garantindo a sua utilização justa, por analogia, o magistrado aplicou ao caso os comandos dos artigos 501 e 502 da CLT. “Imputada a responsabilidade civil sobre a empregadora, reputo razoável e proporcional a redução da obrigação de reparar os danos à razão da metade”.
No caso dos autos, o juiz entendeu que o dano moral é evidente e presumido, importando a estipulação de um critério para fixação da compensação pela dor e pelo sofrimento experimentado pelos familiares. Para o julgador, as figuras paterna e materna possuem papel decisivo no desenvolvimento da criança, do adolescente e dos jovens, seja nos momentos mais simples, para atos da vida cotidiana, seja nos momentos mais complexos, como na atuação para educação e formação do caráter. “Ademais, a perda do ente querido priva os membros da família da convivência e do desfrutar do contato e da companhia”.
Diante disso, o juiz entendeu ser proporcional, razoável e equitativo fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil para cada uma das autoras, o que totaliza R$ 200 mil. Em sua decisão, o magistrado levou em consideração o grau de risco a que o empregado se expunha recorrentemente, o bem jurídico afetado e as vicissitudes do caso como, por exemplo, o quão trágico foi o falecimento, a inviabilidade de se poder ao menos fazer um velório, além da natureza jurídica do empregador e de seu porte econômico.
Quanto ao dano material, o juiz determinou o pagamento da indenização em forma de pensionamento para a filha e a viúva. Na visão do julgador, as provas dos autos indicaram que o motorista era o único provedor do lar e, por consequência, a perda sumária e precoce proporcionou efeitos deletérios nefastos à família.
Especificamente em relação à filha, o juiz determinou que a obrigação de indenizar se conservará até que ela complete idade suficiente para garantir a própria subsistência, ou seja, até os 24 anos de idade, conforme sugerido pela jurisprudência predominante. No tocante à viúva, o dever de pensionamento se estenderá até que o motorista completasse 76,7 anos de idade, de acordo com a última expectativa média de vida divulgada pelo IBGE. Houve recurso, que aguarda julgamento no TRT mineiro.
Processo PJe: 0010626-21.2020.5.03.0147
Fonte: TRT