Mulher com doença renal e quadro de demência será obrigada a fazer tratamento de hemodiálise compulsório em JF
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) obteve o deferimento de pedido de tutela de urgência para determinar a expedição de mandado de busca e apreensão de uma mulher, de 34 anos, para sua avaliação médica compulsória em unidade de saúde em Juiz de Fora, na Zona da Mata, a fim de que seja submetida ao completo exame clínico de seu quadro. Além disso, diante dos riscos a sua saúde, ela deverá ser submetida de forma compulsória ao tratamento de hemodiálise.
Conforme a decisão, havendo indicação médica, ela deverá ainda ser internada compulsoriamente pelo Município, em estabelecimento médico adequado, às expensas do SUS, onde deverá permanecer até o recebimento de alta médica, com posterior abrigamento compulsório em residência inclusiva ou em um dos serviços de residência terapêutica do Município que atenda adequadamente às necessidades dela, também a ser custeado pelo Poder Público.
A medida foi requerida pelo MPMG em Ação Civil Pública ajuizada para proteção à pessoa com deficiência. O Ministério Público alega que a mulher apresenta diagnóstico de doença renal crônica e quadro demencial grave, além de ser pessoa com deficiência incapaz de gerir pessoas e bens, que se encontra com saúde frágil, não aderindo ao tratamento médico de que necessita. Para o MPMG, o quadro gera um perigo atual e irreversível em sua saúde e dignidade.
Na ação, o MPMG ressalta que a mulher morava com sua irmã, mas, em virtude de inúmeros conflitos familiares e da dificuldade representada pelo comportamento da pessoa com deficiência, a irmã não possui mais interesse em ser curadora e auxiliá-la nos acompanhamentos necessários. Dessa forma, conforme descrito na ação, ela voltou a morar sozinha, não aceitando ajuda da irmã, e deixou de realizar o tratamento de saúde de que necessita, encontrando-se em situação de grave vulnerabilidade social e risco de morte.
Além disso, o MPMG recebeu relatório do Hospital Universitário/UFJF comunicando a ausência da paciente em sessões de hemodiálise. “Face ao agravamento do quadro de saúde dela e do risco social representado por seu comportamento, é Imprescindível a intervenção do Estado, por meio de seu poder geral de cautela, para a superação da situação de violação de direitos narrada”, defende a 20ª Promotoria de Justiça de Juiz de Fora.
Poder geral de cautela
Na ação, o promotor de Justiça de Juiz de Fora Jorge Tobias de Souza chama atenção para o chamado poder geral de cautela. “Conferido constitucionalmente ao Poder Judiciário, ele assegura, por meio de cláusulas gerais a serem utilizadas face ao um caso concreto, a segurança jurídica ao magistrado para proteger a vulnerável, que sequer possui condições de discernir, minimamente, que o seu comportamento está colocando sua própria vida em risco”, explica.
“A paralisação do tratamento de hemodiálise pelo paciente caracteriza verdadeira sentença de morte, o que fez com que, no caso de um paciente renal crônico que se negava a fazer a diálise, fosse concedida liminar pela Justiça de Goiás dando a sua genitora direito de tomar todas as providências necessárias para garantir o tratamento de seu filho, inclusive por meio de sua internação na UTI de um hospital”, cita o promotor de Justiça.
O promotor ressalta na ação que o quadro de saúde da mulher está se agravando, “gerando um perigo atual e irreversível em sua saúde e dignidade, circunstância que certamente se acentuará caso nenhuma medida extrema seja adotada a tempo”.
Segundo Jorge Tobias, o regramento no Brasil, no que tange ao Direito Médico, é o paciente consentir com o seu tratamento médico, naquilo que se denomina consentimento informado ou consentimento esclarecido. O médico explica as consequências do tratamento médico, e a pessoa se submete ao tratamento médico se quiser. O tratamento compulsório é uma das exceções, e no Brasil, de forma explicita, a lei só o prevê no caso de internação compulsória para tratamento de portadores de transtorno mental ou para tratamento de dependência química.
“Neste caso, o magistrado se utilizou de seu poder geral de cautela para determinar, por meio das cláusulas gerais, com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ( art. 1 III c/c art. 6, caput, ambos da Constituição Federal), e fazendo analogia ao art. 6 inciso III da Lei n.º 10216/2001, uma medida coercitiva ‘sem previsão legal explicita’ para determinar, no caso concreto, que a paciente que não tem condições de manifestar validamente seu consentimento para o tratamento, cuja inobservância gerará sua morte, seja impelida a se submeter ao tratamento médico”.
Fonte: MPMG